Mas afinal, como o F- controla a cárie dental? Para entender, voltamos ao conceito de que FA é um mineral menos solúvel do que a HA. Sendo menos solúvel, a FA é um mineral que tende a se precipitar mais facilmente do que a HA em meio contendo cálcio e fosfato inorgânico, minerais presentes na saliva e na placa dental (biofilme). Assim, havendo F- presente na cavidade bucal, toda perda mineral que ocorrer sob o biofilme dental cariogênico tenderá a ser parcialmente revertida pela precipitação no dente do mineral menos solúvel FA. Com isso, a perda mineral líquida é reduzida, uma vez que parte dos minerais perdidos é reposta novamente na estrutura dental.
Assim, é comum a descrição de que o fluoreto diminui a desmineralização e ativa a remineralização do esmalte e da dentina. A diminuição da desmineralização diz respeito à precipitação de minerais na forma de FA, quando a HA da estrutura dental está sendo solubilizada pelo baixo pH gerado no biofilme dental exposto a carboidratos fermentáveis. A ativação da remineralização sugere que, quando o pH do biofilme dental volta a subir, ou quando este é removido pela escovação expondo a estrutura dental à capacidade remineralizadora da saliva, a precipitação de mineral nos locais onde ele foi perdido será ativada, se houver F- presente no meio ambiente bucal.
Portanto, mais importante do que ter F- incorporado à estrutura mineral do dente, é ter fluoreto disponível na cavidade bucal, para ser incorporado à estrutura mineral do dente, quando o mineral mais solúvel HA está sendo dissolvido como conseqüência do processo de cárie. Logo, uma maior concentração de F- no dente é conseqüência desses eventos, e não a causa da menor perda mineral que ocorre na presença deste íon.
O segundo conceito importante diz respeito à palavra parcialmente , descrita acima para refletir a reversão da perda mineral pelo F-. Nesse sentido, a causa da perda mineral no processo de cárie dental é a presença de um biofilme dental cariogênico, que produz ácidos quando exposto a carboidratos fermentáveis (sacarose, principalmente), causando a desmineralização dental na interface dente-biofilme. Assim, são fatores indispensáveis, para o desenvolvimento de cárie, a presença de biofilme e sua exposição ao açúcar. O F- não tem ação sobre esses dois fatores. Embora ele possa apresentar algum efeito antimicrobiano, diminuindo a produção de ácidos por bactérias, mas este só foi demonstrado em laboratório, sob exposição a altas concentrações de F-, que não ocorrem regularmente na cavidade bucal (mínimo 10 ppm F-).
Então, havendo biofilme acumulado sobre os dentes e sendo este exposto a açúcares, mesmo na presença de F-, haverá a produção de ácidos e o mineral do dente terá a tendência de se dissolver. O F- no meio ambiente bucal será importante para reverter, como descrito acima, parte desses minerais perdidos, embora alguma perda mineral sempre ocorrerá.
Portanto, focar medidas preventivas no uso isolado de F-, como descrito acima, sem um controle dos demais fatores necessários para que a doença cárie se desenvolva, não é suficiente, uma vez que isoladamente o fluoreto não impede o desenvolvimento de cárie (ver diagrama).
Por outro lado, a reversão parcial da perda mineral que ocorre na presença de F- é extremamente importante, pois aumenta muito o tempo necessário para que algum sinal clínico de desmineralização seja visível. Em outras palavras, desde que o desafio cariogênico não seja excessivo, o F- disponível na cavidade bucal poderá reverter as pequenas perdas minerais que ocorrem diariamente, de tal forma que nenhum sinal clínico de desmineralização será observado. Clinicamente, este é o mecanismo de ação do F-.
Um indivíduo “zero placa” não terá cárie, mas existe tal indivíduo? Biofilmes sempre se formarão sobre a superfície dental, e em algum local negligenciado pela escovação ele poderá permanecer. Daí a importância de sempre manter o íon na cavidade bucal, independente da idade do indivíduo, pois o processo de cárie ocorre em indivíduos de todas as idades, seja no esmalte ou na superfície radicular exposta! Assim, a associação entre higiene bucal e fluoreto é a maneira mais racional de controlar a cárie dental .
Iniciamos este artigo dizendo que todos os meios de utilização do fluoreto agem da mesma forma, fornecendo íons para a cavidade bucal. No próximo texto vamos abordar como meios aparentemente diferentes de utilização de F-, indo desde água fluoretada, passando pelos dentifrícios e chegando a aplicação profissional de F-, atendem este requisito. No passado esses meios de manter F- constantemente no meio ambiente bucal eram classificados em métodos sistêmicos e tópicos de uso de flúor, fazendo com que até hoje perdure o conceito de que, não existindo água fluoretada numa cidade, devemos fazer suplementação medicamentosa de F- , pré ou pós-natal! Qual é a evidência?
Fonte: Jornal da Associação Brasileira de Odontologia – NA NET (JABO)
0 comentários:
Postar um comentário