População carente, dentes doentes

     Pesquisa associa a presença de cárie na infância ao quadro socioeconômico familiar e descarta o aleitamento materno como fator de risco à doença. Crianças de pais pobres estão mais vulneráveis às bactérias cariogênicas.
Por: Leandro Morgado
     
     Estudo mostra que filhos de famílias pobres têm número maior de dentes comprometidos. Outros fatores como a falta de higiene bucal e o consumo excessivo de açúcar estão associados com os problemas dentários. (foto: Paula Valença)

     O último levantamento do Ministério da Saúde sobre a saúde bucal no Brasil apontou 1,8 milhão de crianças com cárie. Desse total, filhos de famílias carentes são os mais suscetíveis à doença, de acordo com um estudo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
“Crianças que viveram um momento de pobreza possuem maior chance de contrair cárie do que as que nunca foram pobres”, afirma a odontopediatra Paula Andréa de Melo Valença, autora da tese de doutorado ‘Influência de determinantes sociais e do aleitamento materno na cárie em crianças’, defendida em agosto deste ano na UFPE.
     “Crianças que viveram um momento de pobreza possuem maior chance de contrair cárie do que as que nunca foram pobres”
Na base da pirâmide social, os pais se preocupam menos com os dentes dos pequenos, sendo pouco comum consultas odontológicas de rotina e o uso do fio dental. Além disso, condições precárias de infraestrutura, como saneamento básico, luz, água e coleta de lixo, contribuem de forma decisiva para o surgimento da cárie dentária.
     “Não estão em jogo apenas uma higiene bucal deficiente ou uma dieta rica em carboidratos, existem questões socioeconômicas ligadas à cárie infantil”, ressalta Valença.
     A pesquisadora também analisou uma possível relação entre o aleitamento materno e a cárie na infância, uma associação frequente, porém controversa, na comunidade odontológica. No seu estudo, Valença não identificou uma ligação direta entre a amamentação prevalente ou exclusiva nos primeiros seis meses de vida e um índice mais elevado de problemas dentários.

Entrando em campo

     Em sua pesquisa de campo, realizada em 2007, Valença visitou a casa de diversas famílias em quatro cidades da zona da mata pernambucana – Palmares, Água Preta, Catende e Joaquim Nabuco –, onde recolheu dados socioeconômicos e da saúde bucal de 293 meninos e meninas com seis anos de idade.
     A pesquisa de campo foi realizada em 2007, na zona da mata pernambucana. Em 2001, as mesmas crianças avaliadas participaram de um estudo de intervenção comunitária cujo intuito era ampliar a duração do aleitamento materno exclusivo. A pesquisadora analisou a mobilidade social dessas famílias, tendo como parâmetros a renda familiar, escolaridade materna, condições de salubridade do domicílio e posse de bens domésticos, no período entre 2007 e 2008. Depois, comparou-a com a frequência da cárie infantil.
     Ela verificou um índice médio de 4,1; referente ao número de dentes de leite (não permanentes) cariados, perdidos devido à cárie e/ou restaurados nas crianças pesquisadas. Analisando os fatores de risco envolvidos, observou que 69,2% dos filhos de famílias pobres – com renda igual ou inferior a um quarto do salário mínimo – apresentaram percentual igual ou maior que a taxa média, contra 42,6% daqueles em famílias com renda per capita superior a meio salário mínimo.
     Já 68,6% das crianças com mães que cursaram no máximo três anos do ensino fundamental excederam o índice médio de problemas bucais, contra 46,6% daquelas com mães que atingiram ou ultrapassaram o ensino médio.
“Mesmo crianças de famílias que tiveram uma melhora na situação financeira não demonstraram avanços na saúde dos dentes”
     A mobilidade social vivida por algumas famílias não teve impacto significativo sobre esse quadro. “Mesmo crianças de famílias que tiveram uma melhora na situação financeira, evoluindo de um quadro de pobreza, não demonstraram avanços na saúde dos dentes”, conclui Valença.
Em 2001, as mesmas crianças avaliadas por Valença participaram de um estudo de intervenção comunitária cujo intuito era ampliar a duração do aleitamento materno exclusivo. Coordenada pela pediatra Sônia Bechara Coutinho durante seu doutorado em nutrição pela UFPE, a pesquisa acompanhou as crianças desde o nascimento até o primeiro ano de vida, com a coleta de dados sobre o perfil alimentar.
     Valença reexaminou esses dados seis anos depois a fim de avaliar a influência da amamentação na saúde bucal das crianças. “Os dados mostraram que o aleitamento exclusivo ou predominante realizado durante os seis primeiros meses de vida não influenciou na ocorrência e gravidade da cárie aos seis anos de idade”, afirma a pesquisadora.
Além dos aspectos socioeconômicos, outros fatores como a prática da higiene bucal e o consumo de açúcar mostraram-se influentes no caso de problemas dentários.

Políticas mais abrangentes

     De acordo com o levantamento de 2010 do Ministério da Saúde, crianças com 12 anos, idade em que geralmente se completa a formação dentária do indivíduo, apresentam, em média, 2,1 dentes cariados, perdidos ou obturados. Em 2003, essa média era de 2,8.
     “O Brasil melhorou muito com sua primeira política pública de saúde bucal, o Brasil Sorridente, mas precisa ampliá-la para chegar mais perto do público infantil, uma faixa etária que sofre muito com problemas dentários”, diz Valença.
     “A política pública tem que entrar no núcleo familiar e atuar com foco no contexto social em que a criança está inserida”
Para mudar esse quadro, a pesquisadora defende assistência às mães desde o nascimento da criança e estratégias de saúde bucal que contemplem a melhoria dos indicadores socioeconômicos, a promoção do aleitamento materno e hábitos saudáveis de alimentação e de higiene bucal, acesso à informação e educação.
     “A política pública tem que entrar no núcleo familiar e atuar com foco no contexto social em que a criança está inserida”, conclui. 

Leandro Morgado
Ciência Hoje On-line

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